Quando soube que um dos protagonistas do filme não era coreano, resolvi dar uma chance. E não me arrependi. Para quem está à procura de um filme realista, certamente irá gostar bastante da história e dos personagens de Bandhobi. [Contém spoiler].
Direção/ Roteiro: Shin Dong Il
Gênero: Drama, Romance
Publicação: K-Movie (2009)
Nota: ♥♥♥♥
Nota: ♥♥♥♥
Sinopse: Min Seo (Baek Jin Hee) encontra uma carteira no ônibus, mesmo sabendo quem é o dono, ela decide não devolver. Entretanto, o dono da carteira, um imigrante de Bangladesh que estava trabalhando na Coreia, Karim (Mahbub Alam), decide voltar ao ônibus para procurar pelo seu pertence. Desconfiado de Min Seo, Karim começa a segui-la e toma sua carteira à força. Indignado com a atitude da garota, Karim tenta levá-la à delegacia, mas Min Seo o convence para deixá-la ir, em troca de lhe fazer um favor depois.
O filme já começa nos apresentando Min Seo como uma jovem azeda, digamos assim. Min Seo tem 17 anos e apesar de ter amigas, não é muito chegada a elas. Além disso, sua vida se resume a fazer bicos ou a trabalhar em empregos de meio período para conseguir dinheiro para pagar um cursinho de inglês. Quando ela encontra a carteira de Karim e vê que ela está recheada de dinheiro, até pensa em devolver, mas logo desiste quando vê que tem dinheiro lá. Além dessa apresentação sobre ela, ao longo do filme vamos entendendo que sua relação com a mãe, Eun Joo (Lee Il Hwa), não é das melhores. E outro agravante nessa relação é o namorado de sua mãe, Ki Hong (Park Hyuk Kwon), que é um boçal. Somando tudo isso ao fato de que sua mãe é dona de um karaokê não muito requisitado, Min Seo acaba decidindo por ficar com a carteira do rapaz desconhecido.
Esse primeiro encontro dos dois é bastante interessante. Karim está sentado no ônibus e tem um lugar vago do seu lado. Min Seo está em pé próxima a ele. Tentando ser gentil, Karim mostra o lugar vago, mas Min Seo o ignora. Quando Karim desce na sua parada, Min Seo senta na cadeira vaga e é quando encontra a carteira perdida. Sem contar com a possibilidade de Karim voltar ao ônibus para procurar a carteira, Min Seo se faz de desentendida e desce do ônibus. Mas Karim, certo de que a carteira não evaporou, desce junto com ela e a segue. Min Seo tenta correr e ele a puxa pela mochila. E é aí que ele descobre que ela não só pegou sua carteira, como também não iria devolvê-la. Chateado, ele decide levá-la para a delegacia, mas ela se mostra mais hábil e consegue fazê-lo desistir da ideia, prometendo ajudá-lo no que ele quisesse em algum outro momento. Karim aceita a proposta, já que ele precisava encontrar seu antigo patrão que estava lhe devendo um ano de salário.
No começo, ficava pensando em como o Karim tinha dinheiro se o seu ex patrão estava lhe devendo um ano de salário. Mas ao longo do filme, vamos descobrindo que Karim tem um emprego fixo. Para um imigrante árabe, suas condições de trabalho são totalmente desumanas e exaustivas. E o ordenado por todo esse esforço é menor ainda. O interessante desse filme é a forma como ele retrata como são tratados os imigrantes na Coreia. Enquanto os imigrantes estadunidenses são quase cultuados pelos sul-coreanos, sobretudo, pelas sul-coreanas, os imigrantes de países pobres, como Bangladesh, não encontram outro tipo de emprego a não ser os que exploram o trabalhador e lhe pagam um mísero salário.
Se você pensa que Bandhobi é mais um filme de drama e romance coreano, como os que você está acostumado a assistir, pode tirar o cavalinho da chuva. O filme é bem cru, digamos assim. Nada é romantizado nem idealizado demais, é a realidade nua e crua na sua frente. Min Seo não é uma personagem carismática, ela não está ali para te agradar, mas sim incomodar. O filme em si te incomoda, porque não é uma super produção hollywoodiana muito menos está no mesmo nível que os filmes coreanos que estamos acostumados a ver. Bandhobi lembra muito aquelas produções independentes em que a câmera também imita o movimento do personagem, como quando ele corre, por exemplo. Achei o filme muito bom. Sobretudo, por ele trazer uma temática totalmente nova: a amizade entre uma sul-coreana de 17 anos e um imigrante árabe que largou a família em Bangladesh para ganhar dinheiro (o que não deu muito certo).
Vale salientar que Karim é casado. Mas seu envolvimento com Min Seo vai se tornando aos poucos tão corriqueiro que ele acaba desenvolvendo sentimentos por ela. Embora ele tente evitar, percebemos que Min Seo insiste em atiçar os desejos do rapaz. Sobretudo, depois que ela começa a trabalhar numa casa de massagem, inclusive, forjando uma falsa identidade para provar que é maior de idade. Nessa casa de massagem, descobrimos que Min Seo acaba trabalhando como "punheteira" e não como massagista; embora pareça algo terrível, na China, por exemplo, trabalhar como "punheteira" já se tornou um emprego reconhecido no país. Então, se você vive reclamando do seu emprego, acho que depois dessa, você tem o melhor emprego do mundo, não é mesmo? - risos.
Ao longo do filme, vamos conhecendo um pouco mais sobre a vida de Min Seo e a vida de Karim. Enquanto Min Seo não se dá bem com a mãe, Karim se sente cada dia mais solitário e injustiçado por viver como um miserável num país estranho. Mas não pense que Karim é um ignorante, muito pelo contrário, enquanto Min Seo tenta juntar dinheiro de todos os empregos de meio período para pagar um curso de inglês, Karim não só sabe falar árabe e coreano, como também é fluente em inglês. E é durante uma conversa com o professor de inglês de Min Seo, Heinz (Jang Sebastian), que Karim e Min Seo têm um de seus desentendimentos mais sérios.
Veja bem, embora Karim e Min Seo se deem bem, existe uma gritante barreira entre eles: a cultural. Karim não bebe, não fuma, não come carne de porco. Para Min Seo, não existe uma explicação plausível para Karim não comer porco, por exemplo. Já para Karim, o fato de os sul-coreanos, sobretudo, as sul-coreanas se entregarem tão facilmente para os imigrantes americanos é algo difícil de entender e aceitar. Além dessas diferenças, ressaltadas no filme, também percebemos que a única coisa que prende Karim à Coreia do Sul é Min Seo, visto que ele está cansado de viver numa situação de extrema exploração e não ter ninguém a quem recorrer. E por ironia do destino, Min Seo é a única amiga coreana que Karim conhece. E Karim é o primeiro amigo que Min Seo tem. Daí, o título do filme, que significa "Amigo".
Min Seo é uma personagem imprevisível. No início, prometeu a Karim que o ajudaria apenas para se livrar de ir para a delegacia, mas aos poucos, após a convivência com ele, ela passa a tomar as dores dele para si. E um dos momentos mais significativos sobre isso é quando ela invade a casa do ex-patrão de Karim, o senhor Shin (Jung Dong Gyu), e o agride. Da mesma forma que Karim muda de ideia e decide ficar na Coreia, mesmo com seu visto de trabalho vencido, por causa de Min Seo, ela também muda e amadurece alguns de seus conflitos interiores. Embora continue não demonstrando tão bem seus sentimentos, eu acredito que o fato de Min Seo ser uma personagem inexpressiva, foi intencional. Mesmo que pareça uma personagem inexpressiva, Min Seo expressa bastante coisa através dessa "suposta" inexpressividade. E, particularmente, gostei bastante da atuação da Baek Jin Hee, mesmo esse sendo o primeiro trabalho dela que eu vejo.
Outro contraponto na relação entre Karim e Min Seo é o medo que a proximidade entre eles gera na mãe de Min Seo. Preocupada com essa relação, Eun Joo também não sabe como dialogar com a filha e acaba tomando decisões extremamente drásticas. Inclusive, uma dessas decisões, será responsável por toda a reviravolta que acontece no filme.
Min Seo e Karim se conhecem de uma forma nada convencional. Acabam se ligando um ao outro por causa de uma promessa embaraçosa. Aos poucos, vão passando tanto tempo juntos, indo a restaurantes, ao karaokê, à praia, que ambos sentem falta um do outro por estarem tão acostumados com essa proximidade, além disso, a relação entre eles vai superando a barreira cultural. E uma bela amizade vai surgindo entre uma sul-coreana e um árabe muçulmano.
Bandhobi é um filme, a priori, despretensioso, mas à medida que você vai assistindo, que vai conhecendo os personagens e a sua história, vai percebendo que esse filme conseguiu ir além... aparentemente, é um filme simples, que apresenta uma menina de 17 anos que transita por vários empregos diferentes, que tem uma péssima relação com a mãe e com o padrasto, que não vê muitas perspectivas de vida, enfim, é uma adolescente extremamente difícil de lidar e conviver. Até aí, não tem nada de novo. Além disso, somos apresentados também a um personagem incomum, um árabe muçulmano que é imigrante legal na Coreia, mas que depois começa a sofrer com os impactos de ter um visto vencido e ter que escolher entre voltar para Bangladesh ou continuar na Coreia como clandestino.
É interessante a forma como esse dilema de Karim é desenvolvido no filme. Numa cena ele pergunta a Alá por que está passando por tudo aquilo. Um país que nunca lhe deu nada, que só lhe deu desgosto e sofrimento, como poderia permanecer num lugar daqueles? Mesmo assim, ele tem Min Seo... e essa estranha relação com ela, transforma não só sua vida, como a dela também. Na minha humilde opinião, Bandhobi superou todas as minhas expectativas, sobretudo, as negativas. No início, pensei que não ia gostar da Min Seo, achei as cenas muito cruas, como se fossem tapas na sua cara... mas mesmo assim, o filme me surpreendeu. Não é o melhor filme do mundo, até por causa das suas limitações com relação à verba e à própria produção cinematográfica. Percebe-se que é um filme independente que busca enfatizar numa perspectiva mais realista e quando digo isso, spoiler (para ler selecione o texto) - quero dizer, sem finais felizes - fim do spoiler. A cena final do filme é bastante simbólica. Vale muito a pena conferir essa história, como uma forma de dar uma chance a algo novo como também para se dar a oportunidade de refletir sobre o valor que uma pessoa pode ter em nossas vidas.
K-Movie legendado em português:
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